segunda-feira, 19 de maio de 2014

SAQUEARAM A CIDADANIA

 
 POR: DOUGLAS MENEZES

 Doeu mais do que o medo pela sensação de impotência. Mais que a insegurança palpável, aliás, não lembro, nesse país, de termos a impressão de nos sentirmos seguros, totalmente, em algum momento. Doeu mais que a certeza da instalação do caos por não termos as fardas nas ruas. Mais mesmo que os serviços desativados e o cotidiano virar-se numa confusão de notícias desencontradas e boatos não confirmados. Sim, doeu mais observar parte do povo carregando coisas que não lhe pertenciam, famílias inteiras, pais, mães, filhos, até avós e netos, numa histeria e, ao mesmo tempo, na tranqüilidade de quem está fazendo algo normal, rotineiro, como se roubar já fizesse parte de um roteiro pronto a ser vivenciado, apenas esperando um sinal para que tudo se fizesse ação, o necessário empurrão para a desonestidade.

 Sim, porque não vimos retirantes famintos de um lugar qualquer do nordeste brasileiro em busca de saciar a fome de meses, justificando o ato pela premente carência, que leva o homem até a atos tresloucados, plenamente aceitáveis pelo instinto da sobrevivência. Sim, eram famílias pobres, mas boa parte com residência fixa e com uma renda familiar, até mesmo clientes de algumas lojas, segundo comentário que ouvi. Doeu muito mais, observar pais e mães indo devolver os objetos que os filhos roubaram, como se isso diminuísse a ação deprimente e que demonstra a formação defeituosa, a falta de um mínimo de orientação ética, não se justificando a pobreza como indicador dessa falha. A luta do povo é outra, e deve ser vivida no dia a dia, na politização e na consciência de contribuir para um país melhor, menos injusto. Até porque também já ouvi que, por conta dos prejuízos, centenas de pessoas seriam demitidas do comércio, justamente a corda, como sempre, quebrando do lado mais fraco.

 Doeu mais, ao sentirmos que parte da população deixa de ter argumentos para criticar os políticos corruptos, já que, na primeira oportunidade, perde qualquer noção de honestidade, como se sonhasse ser igual a eles. E é por isso que existe a teoria de que a sociedade brasileira é cúmplice das coisas ruins que acontecem na política do país, sempre elegendo ou fazendo retornar aqueles reincidentes em malfeitos, como se apenas aguardasse a chance de também participar da orgia feita com o dinheiro público.
 
Doeu demais saber que não só espalharam o medo, o caos, o terror nas ruas, o roubo generalizado, em um oportunismo digno das mais atrasadas comunidades do mundo, barbárie pura. Doeu demais constatar que, acima de tudo, saquearam a cidadania.

 17 de maio de 2014




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